FOTOAFORISMOS

domingo, 13 de marzo de 2016

Triste criatura, triste escitura - letra sobre pedra


Quantas leis criarias para ti mesmo?

Temerá a lei... quem dela precisar, já deves saber.
Quanta necessidade criarias para ti mesmo?
Já deves saber...quem vive a necessitar apenas vive.
Quanta dependências criarias para ti mesmo?
Vida difícil levarás, deves saber... se de pedras acostumaste tua dieta.
Quanta maldade queremos do outro esperar?
Tirano serás se tuas pedras atirar primeiro e pretender
Que de ânimo dócil outro se ponha a carregar.

Para isto estão as leis. Para que possas levantar, contra algum, teu dedo acusador.

foto Lori de Almeida - edificio da Presidência da República do Uruguay, detalhe de obra
Apenas disto se trata teu direito e querer?

II


Pó e alma levo dentro.

Tonio Kröeger encontrou a sua,
Peito à proa, dentro ao vento.

Meu corpo, massa, água, sal e sol,
Respira pó e alma.
É destino, é também momento.

Cheiro, pouca luz
Muito mundo fora/Dentro
/Muito calor em pouca água
/Faz-se nele fermento.

Pó me dá o mundo.
Não é o tempo que passa, não é o mundo que muda.
Passa o vento!
Sensação leva/sentimento traz
Sensação traz/leva sentimento.

Santíssima trindade:
Alma, sensação e sentimento.
Não vão, não vem.
São ora verdugos, ora são
Unguento.

Sensação é corpo que entra alma a dentro,
Se me domina ela, sou qualquer corpo.

Sentimento é alma que escapa corpo afora,
Se me domina ele, sou qualquer santo.



Sou único, se me leva o vento.


Abstinência de solilóquios.


Amanhã, quando me ponha diante do espelho, não direi o que sempre me digo.
Fixarei os olhos firmemente nos meus próprios, porque me dei conta que nunca o faço.
Calarei os pensamentos e celebrarei abertura de ano sabático de mim mesmo.
Deixarei abandonadas a totalidade de promessas que me jurei, porque sempre o faço.
foto e arte  Lori de Almeida - Crucifixo.


Não me julgarei. Não me julgarás.





Amanhã, quando me ponha diante de alguém, apenas direi aquilo que sempre lhe digo.
Perscrutarei pacientemente, um-a-um, meus hábitos. Neles plasmarei repetição e diferença.
Serei diante de pessoa qualquer, aquela pessoa que no espelho vê, o reflexo dela mesma.
Abandonarei infinidade de vozes que levo dentro, porque adiantam-me os próprios passos.


Não me induzirei. Não me induzirás.






Basta de antigas mentiras ou extemporâneas, minha-nossa: vem todas disfarçadas de verdade.


Vem todas com promessas de poder.

No entanto, a mais valiosa, árdua e efêmera delas, não a queremos: o poder sobre si mesmo.

Basta de antigas promessas ou transcendentais, dentro-fora: vem todas disfarçadas de virtude.
Prometendo-nos mais por finitude.
No entanto, a mais poética, mística e laureada delas, não a podemos: o existir por ele mesmo.


     Não me desacreditarei. Não me deixarás.

jueves, 3 de marzo de 2016

Celebração egoísta

Em alguma nota pude ler que Chopin jamais se propôs a lecionar música. Jamais verifiquei a veracidade desta informação. Não me interesso pela veracidade dos fatos. Preocupo-me com a veracidade dos atos. Para dar veracidade a sua atitude Chopin justificava dizendo algo  assim: "jamais deixaria repousar minha mão tirana sobre a cabeça de alguém".

Dito ou não por Chopin, se lecionou ou deixou de fazê-lo, importa muito pouco. A verdade está no que sentencia o ato anunciado. Que cuidado! Evitar expor alguém ao domínio de outrem. Tirania ou amor? Preciosismo ou egoísmo? Zelo ou soberba?

Infelizmente, todo ato nasce com alguma destas binômias. Uma coisa ou outra... Se o fato nãé definitivo, que seja convicto o ato. Sofrer ou gozar... Se tem aprendido que: quem deixa para outros a conotação de seus atos, será mero coadjuvante dos fatos - a mercê dos conteúdos, das informações, do dito, do falado, do relevante, do comum. Ou sob júdice das identificações alheias. Eu me inclino com Dae Son, diante do que exige seu personagem do "Caderno de obviedades":

"... prefiro uma vida dolorida para mim, à outra já vivida por alguém. Equivocar-me pretendendo acertar, que consegui-lo enganado por outros."

É extemporâneo propor a si mesmo, uma vida tão singular? É pecado então? Não. É egoísmo. Pena que este traço de caráter - este rango de personalidade - esteja mal frequentado entre nós. Foi comum entre diversos nomes da cultura em outro tempo. Hoje nãé mais que uma caricatura entre pessoas públicas. Nem pecado, nem virtude.

Vive-se o egoísmo publicamente em dias de hoje, além de celebrar-lhe por estereótipos: o conservadorismo, a estupidez, a teimosia, a ganância e sua mesquinhez. Mas a psique do egoísmo é outra. É a radicalidade absoluta do instinto de sobrevivência. Traço incompatível com a vida em sociedade. Desnecessário, prescindível, deslocado. Traço imprescindível para uma vida de exilado, retirado ou para uma vida de absoluta auto-suficiência.

Cioran... Ele sim, solitário, egoísta... Ou por ele mesmo: um enfermo de solidão cósmica. Graças... A humanidade cuida destas pessoas... E assim, ele e outros - e talvez eu mesmo -podem gozar de uma vida longa. Cinismo, ironia, crítica ácida, morbidez e hedonismo são as ferramentas pessoais, usadas pelos insatisfeitos da vida-em-comum, para alcançar longevidade. Não há como ser saudável - que me perdoem os estóicos - vivendo em bando, em sociedade. Nossos estóicos urbanizados - serei intolerante e generalista, permitam-me - são higienistas, são eugenistas com camuflagem de homens de sabedoria.

Solidão será sempre um desfrute, não um sofrimento. Nem toda doença nos faz sofrer. O vício é bom, pena que nos destrói. A cobiça quase sempre é empreendedora, lastima que seja perversa. A preguiçé meditativa, contudo nos faz padecer do coração, pois o vago nunca vai amar nada, nem a ninguém. A teimosia vista ao contrário, pode ser esperança e perseverança. O sofrimento seria coragem, senão lhe tivéssemos medo e pudéssemos aquietar-se diante de sua inevitabilidade. Minimizar-lhe os danos, diria Schopenhauer, será  nossa mais nobre tarefa e pedagogia diante dele.

foto  Lori de Almeida - Montevideo
Mas a solidão cósmica não tem nenhuma destas máculas. Nela, o mundo está abandonado no universo, como o solitário está abandonado num mundo de pessoas. Compartem este sentimento mundo e indivíduo. Para ele, depender dos outros, da coletividade, da sociedade, do pai e da mãe, será sempre uma fraqueza. Entre estes, sobretudo os mais trágicos e mártires, viver irredutível é um destino. Viver toda uma vida tentando evitar que a coletividade lhe impeça de cumpri-lo, exige força, determinação, egoísmo, individualidade, irritabilidade e sensibilidade diuturna. Muitos se tornam homens de gênio, mas a maioria sucumbe. De diversas formas. Dostóievski descreve muito bem os últimos. Exemplaridade, castidade e escatologia para os santos. Arte e voz para os convictos. Ou servir-se da resignação, da amargura e do silêncio para aqueles de pouca saúde.

O solitário cósmico, não quer comiseração nem quer auxílio. Seu sofrimento diminui à medida que pode desafogar-se do eu absoluto que lhe habita. E não existe outra forma que descobrir sua própria maneira de fazê-lo. Isto é o abandono. Isto é destino.

Não faz sentido celebrá-lo em público, não há mérito a ser concedido, nem em anunciá-lo aos quatro ventos. Serve apenas para que ele possa ter algo de paz em seus dias. Luxo fugaz e egoísta, pois não se pode compartir ou repartir. Celebraçãíntima, egoísta e efêmera. No entanto, quanta beleza emana de uma criatura em paz... Quanto nos prende a atenção. Quanto nos pede atençãàs armadilhas da vida em bando... Um solitário jamais pronunciará "Salve-me". Pendurado num precipício, vendo o mundo e alma lhe escaparem no próximo instante, alertará "Salve-se". Num grito, numa obra, numa poesia... Assim celebrará.