FOTOAFORISMOS

sábado, 5 de octubre de 2013

Triste profeta...

Vamos à catástrofe, é certo. Todos juntos e espero que seja assim: ao mesmo tempo todos. Assim poderemos conviver com a finitude sem ansiedade e anúncios alarmistas. Os profetas morreram junto à catástrofe que previram e nada mais puderam fazer que anunciá-la. Alguns diante de tamanha impotência, viveram resignadamente a destruição da própria alma contando as horas de trás pra frente. Entre eles muitos esconderam suas revelações para preservarem a alma humana do sentimento de catástrofe. Durante todos estes anos de humanidade quantos profetas devem ter escolhido calar-se? Ermitões, isolamentos voluntários, votos de silêncio, quantos homens, mudos calados, fechados em si e silenciosos nos ofereceu a civilização.

foto  Lori de almeida


















...aquele que anuncia ora é profeta, ora é louco. Hoje... é um resignado.

Destaca-se o profeta da palavra. É seu papel ser o herói consciente de sua própria finitude e enfrentar-se, por puro valor, à trágica fatalidade que anuncia. Junto a algum líder este profeta sempre foi um homem de atos e manifestos. A linguagem foi sua casa, dela enviou seus sinais de revelação. Distintamente de nós, pôde viver o êxtase da anunciação...e talvez pôde morrer tranquilo. Nós??? Somos os espectadores destas catarses proféticas, oferecemos nosso sopro vital ouvindo e seguindo o verbo destes extemporâneos anunciadores. Vivemos na casa de outros e morremos desterrados do significado que eles anunciam.

Não entregaria a vida tentando entender o sentido último dela que se acabará...e não me atreveria a buscar algo que além dela está...tantas coisas tenho do mundo a meu alcance. Não quero saber do fim, minha catástrofe é outra, muito vulgar para se anunciar:

...é este meu destino de herói crônico: os erros repetir, aprender e no dia seguinte, outro erro cultivar. Tento enredá-los com o instante seguinte, para ter um presente no qual  me sustentar. Perco o significado depositado do passado, perco o significado anunciado para o fim-futuro-porvir, ocupado com um insistente presente, onde o certo é bem mais um não erro.


Profetas vez ou outra costumo visitar.. é apenas uma pausa para o chá...Tenho uma casa e uma catástrofe própria para manter e edificar...

Um pensamento para três nuvens

Esses contrastes que a natureza se permite a ela mesma, encontramos olhando a um céu que não conseguiu seu merecido azul uniforme depois de veranega aventura...

Hoje nele flutuavam três nuvens brancas, fitando das alturas um mundo lavado pelo verão...

Iluminadas, surgiram maculadas pelos tons de branco de seus próprios contrastes e das sombras inevitáveis que depositou sobre elas meu olhar enviesado e alheio;

foto  Lori de Almeida
Tentando não molhar-se com os respingos do anterior carnaval de águas acabado em chuva e sol e luz e fundo azul...

Deslizavam, caminhando seus passos invisíveis sobre o nada que as sustentava, sem pressa de encontrar o horizonte que as despediría de minha realidade,

Jogavam e recreavam-se, escondendo-me o azul, inventando-me os desenhos e as formas de minha escassa imaginação de contemplador amateur...derrotado pela melancolía:

          -“Alí vão como se fossem as três primeiras convidadas para uma festa já acabada, sujando de mundanidade tardía, o véu rasteiro de seus brancos e algodonados vestidos...”

Um céu assim é uma sorte da natureza...e apenas ele nunca encontrará seu revés numa casualidade destas. É nela onde ele encontra todo o esplendor de seu ser; e esta casualidade é o fundo para todo os seus contrastes.


Meu pai sempre me acusou de ter o pensamento nas nuvens...

Sobre o "Fabulário geral do delírio cotidiano" de Bukowski


  Uma fábula, que me perdoem os críticos, não é uma ficção. E muito menos com Bukowski. Depois de havermos tragado à Kant e todos os seus subsequentes é difícil imaginar uma moralidade inventada, “ficcionada” ou fabulada, se tudo é reflexo da realidade consciente ou inconsciente. São poucos e raros os autores que não buscam localizar a realidade em suas fábulas, ficções ou delírios; enfim uma realidade para sua imaginação. Talvez Kafka, Rilke e os que desta realidade buscaram isolar-se (Hölderlin, Schopenhauer, Nietzsche, Pessoa, Imre Kertész e poucos mais).

A Los Angeles de Charles Bukowski muitos de nós ja a encontramos, talvez com outro nome. As situações que nela descreve são bastante típicas; e comuns enttre aqueles que oferecem, prontamente e sem hesitar, a existência à risco, por um momento fugaz de êxtase ou delírio criativo e estético. Situações mais bizarras e degradantes seguramente poderíam ser descritas, com um pouco de talento literário, por qualquer indivíduo que viva à margem da arte institucionalizada. Assim pois, nem linguagem, nem fundo descritivo fazem a originalidade de Bukowski, ele é filho de sua geração e do seu entorno literário.

Equivocam-se muitos os críticos que reconhecem talento e qualidades literárias num escritor apenas por suas aportações intelectuais, morais ou técnicas. Se assim o fosse...pobre Bukowski. Teria morrido sem publicar, sem dar entrevistas e sem sua Mercedez usada, conseguida já nos anos finais de sua vida. E não foram poucas as pessoas que com Bukowski se animaram a escrever, ainda que na forma de diário e sonharam publicar também, reconhecendo neste estilo seu e de alguns de seus contemporâneos uma forma de expressão pessoal e literária. Talvez poucos escritores nos transmitam tão imediatamente sensação de “vontade de escritura”. Nisso ele é reconhecidamente genial e deve ter seu nome e obra guardados e lembrados.

O fabulário de Bukowski não moraliza, ao contrário, desmoraliza a todos, ou melhor, “imoraliza” a todos. Seus delírios não são produzidos pelo seu consumo de álcool e sim produzidos pela sua ressaca. Talvez menos pelo efeito do álcool sua ressaca era outra: ressaca da vida urbana, vida mundana, vida noturna e sobretudo de toda esta gente que dela participa. Qualquer pessoa sabe que em estado de embriaguez os acontecimentos, os fatos e as pessoas podem nos parecer algo estranhos e bizarros, mas não nos ocorre naquele momento encontrar-lhes um sentido ou significado; e é verdade que na maioria dos casos, participa-se com integridade e cúmplice interesse de sua presentidade. Inventamos todas estas sensações (estranhamento, bizarrice, absurdidade, etc.) críticas tardiamente, e nos falta sobriedade, porque a ressaca ainda é um estado distinto de consciencia. Além da ressaca toda a análise, crítica ou descrição é um estado extemporâneo da consciência, onde podemos depositar deliberadamente qualquer recurso de ficção ou interpretação (razão, emoção, justificação, moralização, etc.), basta para isto uma boa dose de culpabilidade e conivência. 
Aí reside nossa imoralidade e é ela que nos é jogada na cara por Bukowski. Por isso as criaturas inocentes não se identificam com a leitura deste escritor: aquelas que nunca beberam desmesuradamente; que nunca se entregaram a sensação de um ato violento, ao êxtase do delírio espontâneo ou não, ao preconceito imanente das intuições que os anos em solidão originam e acumulam; aquelas que nunca perscrutaram as debilidades e fortalezas dos viciados, dependentes, marginalizados, doentes, solitários e maníacos em geral; e sobrevivem a necessidade de descrevê-los e pôr em exercício recursos de análise e de moralização.    "A inocência nada mais é que a ausência de hipocresia".

Ele, em vida e em literatura, de forma covarde e valorosa (pois afinal de contas fez literatura) e diferente de nós, assumiu honestamente seus vícios, debilidades, preconceitos se seu rechaço à uma imoralidade da qual ele tampouco pode escapar. Apenas teve a decência de não nos pedir desculpas. Evitou a irrealidade e descreveu tudo sem encenações psicológicas: duro e triste.