FOTOAFORISMOS

lunes, 24 de diciembre de 2012

"O Caderno de Obviedades" III - de Dae Son - Tradução livre


É preciso corrigir-se  nos pequenos erros que cometemos ao desejar algo inconsequentemente. A vida por exemplo, desejamos em primeira pessoa, imortaliza-la. Basta, dedicar um escasso minuto, observando os adolescentes e com gosto, nos veríamos alí com eles a brincar de imortais e compartilhando desta ilusão.

Mas infelizmente a vida não para alí... e no momento seguinte, outro instante da realidade, faz girar a roda do tempo.

O tempo não é esta linha contínua, reta e progressiva que nos ensinou a física clássica – e estou seguro que tampouco seria assim na imortalidade, como todos imaginam. Não se equivocam de todo, estes senhores de ciência, porém descreveram do tempo apenas suas impressões exteriores a nós. Dentro de cada um, o tempo está emaranhado em impressões sem forma, sensações inusitadas e imagens anacrônicas em insistente ir-e-vir. Deve ser por isso que a maioria prefira viver na exterioridade de si: com o conhecimento da realidade temporal linear, extensível e progressiva.

foto  Lori de Almeida

São estes os que desejam tempo suficiente para seguir esta linha até o futuro, com medo que ele não venha os pertencer.

Porque afinal, de que os serviria desatar os nós de seu interior intemporal e anacrônico, quando se é necessário viver a ansiedade do devir? Poucos preferirão a árdua e diuturna jornada de desenredar-se a si mesmo, sem projeto de começo e fim...

Não sabem, estes muitos, que o tempo reclamado não lhes proporcionará o desejo que veem tão cegamente: o corpo é o responsável pela extensão desta linha temporal e definirá também, quanto esforço caberá cumprir, cada qual, para segui-la reta e progressivamente. O desejo de imortalidade é a peça que lhes pregou o espírito.

Por outro lado verá, com satisfação, estender-se atrás de sí uma linha reta - ainda que com as imperfeições que lhe imprimiu o destino –, o homem que foi desemaranhando cada um dos laços de seu interior, e até onde pôde ele chegar, descuidando-se do tempo.

Pode ser que não tenha vivido muito... Sem dúvida viveu bem.

viernes, 14 de diciembre de 2012

Diário anacrônico VII - Uma natureza para o "Eu"

      Diante de mim postou-se um senhor de seus sessenta anos, imagino, interrompendo-me - e olhando-me com estranheza - os exercícios físicos que venho tentando praticar a cada  manhã, em sua hora mais fresca e ao ar livre. Desde que me ocupo dos días passados de Heinrisk, tenho estado em constante estado de interiorização e absorto em pensamentos. Por isso quase sempre sou tomado de susto com a  presença repentina de qualquer pessoa diante de mim. Busco com a Ginástica apegar-me um pouco a realidade objetiva, do mundo que tenho a minha volta.

A Ginástica foi uma espécie de sabedoria corporal milenar, praticada individual e coletivamente. Durante mais de milênio sofreu interpretações, adaptações e modificações as mais diferentes. Não podería ter passado de outra maneira: o homem, nestes tempos de Ginásticas, vivía sob a influência do que conhecíamos como "cultura".

Também escolhi praticá-la como forma de provar novas sensações físicas, após a primeira autocirurgia de correção. Para atingir tal objetivo escolhi, entre as modalidades de ginástica que pude me informar, aquela que pudesse ser realizada desprovidamente de recurso material ou motivação extrínseca.

Desde então o corpo me é tão presente com sua respiração, suor, palpitações e tato que me afastei ainda mais da realidade. O que era antes uma parte de meu espírito, agora são instantes de consciência fisiológica que reclamam independência.

Estas sensações vêm confundindo e contrastando as cores e as perspectivas de minha espiritualidade. Meu eu parece exigir-me outra natureza.

foto   Lori de Almeida -  Bierge -   Alto Aragón - Spain
Mentalizei os ruídos de minha respiração - agora consciente de suas alterações (para um novo ritmo) - e pouco a pouco aquele homem foi desaparecendo...Devo fazer o mesmo com Heinrisk...

Está acordado, entre eu e Heinriski, deixarmos de falar para guardar sua autobiografia longe da influência de seus desejos hodiernos e de sua presença... Se assim...viverei seu passado tendo que ficcionar, fielmente, tudo o que ele viu e registrou.

Entre algumas fotos e cartas que me deixou pude ver quase nada de Heinrisk, mas encontrei um conforto: a espiritualidade, nem sempre coincide, em tom e linha, com o céu que a protege...

martes, 11 de diciembre de 2012

Um pensamento à Natureza

Que importância  daria a Natureza ao meu pensamento,
Se insisto em guardá-lo comigo aqui dentro?

Para ela e outros, apenas lhes serve
O papel que envolve o pensar
Em palavras e no tempo.

Para outros, o papel, protegido e guardado em gaveta
Sob chave, longe da Natureza,
Estará dela ausente ou isento.

Para ela será o brinquedo de recrear-se
De perdê-lo ao vento.

Para mim...quanto mais meu...
foto  Lori de Almeida
  .... Mais o aumento.



jueves, 6 de diciembre de 2012

Diário anacrônico VI - Heinrisk e sua autobiografia.


Existe sim, uma discordância entre o desejo íntimo de um homem e o desejável para o convívio pacífico entre outros. A força com que se vive este desejo, dentro de cada ser humano, é variável na sua intensidade e de caráter pessoal. Disto se deriva a importância que este desejo, para alguns mais que para outros, terá. Em Heinrisk este desejo se manifesta com muita força e o faz recalcitrante.

É ilógico, incongruente e cômico, que uma terceira pessoa como eu, tenha que se ocupar daquilo que devería ser escrito em primeira pessoa e de próprias mãos. Sem embargo, Heinrisk pediu-me um favor num momento difícil: toda vez que, no passo de seus anos, o homem consiga notar um trânsito no seu caráter, ele deve tomar uma decisão. Resolvi tomar a aparição de Heinrisk diante de mim como um aviso do tempo: ele já decidiu-se.


foto Lori de Almeida
Além disto encontrei, em alguns escritores antimodernos, descritos   os tristes días, daqueles que levados pela modernidade nada puderam decidir, findarem-se sem solução. Levaram uma vida emaranhada e de acinzentada nostalgia. Días sem folhas, flores ou frutos. Isso me assustou deveras, porque já notei meu trânsito de caráter e agora noto também os passos dos meus anos. Tendo decidido Heinrisk, decido eu também: através de sua autobiografia nos livraremos de todo este passado que já não nos pertence e faremos com que se mingue em imagens fictícias de um caráter ultrapassado. Talvez Heinrisk possa me conduzir a realização de meu desejo íntimo de refazer alguns antigos días. Sem interesses, ainda que haja discordância.

Tenho que pedir a Heinrisk que me traga algumas fotos também, quando passe por aqui, hoje pela tarde, para deixar-me seus dias de ontem em minhas mãos...