FOTOAFORISMOS

martes, 15 de diciembre de 2015

Serão Kírios os uruguayos?



"Hacen cartabón de la conciencia y de la aptitud, mas bien que de la talla, de la forma y el color."

Esta é uma possível descrição genérica da ética do povo kírio, este pueblo ficcionado por Figari . Mais uma de suas contribuições éticas. Gosto de dar razão a Antonio Melina e pensar com ele: a ética deveria ser o grande desafio da inteligência coletiva. Sobretudo para aqueles que gostam e querem "viver em bando" - como nós. (Não demos ouvidos a solitários e críticos amargurados que se perfilam de misóginos ou "emsimesmados". Afinal, sobrevivem de nossa atenção a eles. São do nosso bando queiram ou não).

foto Lori de Almeida sobre edição uruguaia.


A "felicidade geral da nação" - objetivo inerente da ética - é atingir a universalidade exemplar de um modus vivendi. Muitas personalidades se põem a laborar neste esforço de Sísifo. Felizmente, em alguns rincões deste planeta - nalguma localidade do globo-urbanizado-nosso-de-cada-dia - isto acontece sem muita complicação ou esgotamento das forças políticas e intelectuais. Valem-se de algumas recomendações gerais e sobretudo, discreção no consumo, no excesso e no desgaste entre si. Regras? Apenas as inevitaveis. E abusam intimamente, cada qual consigo e para si, de suas qualidades e excessos.

As ruas portuárias de Montevideo, o museu pre-colombino, o mercado do porto e estas reflexões a todo instante em Montevideo. Outra delas: a expressão "vida fácil" para uruguaios médios tem outro destino. " ¡No te compliques!" - te dirão - se por acaso você decidir apresentar argumentos transcendentes para explicar ou justificar uma moral qualquer. E em seguida te ilustram esta moral com uma história eventual e breve, sem rodeios escatológicos. Basta correção, para que sejas pelo menos conveniente. Atento, para que sejas convincente. Vida fácil.

Sem precisar sustentar tamanho, forma ou cor? Que faríamos a maioria de nós?

Um uruguaio prepararia (cebaría) um mate, sairia pela rua, caminharia e encontraria alguém para compartilhá-lo. Tomaria consciência do que expressam seus vizinhos e pensaria nas aptidões que ele possui para fazer frente a vida. Jovens e adultos "ceban mate" - na capital e nas localidades próximas. Estão por todos os lados, em todas as ruas, em todos os horários. Também me pareceu que todas as cuias tinham o mesmo formato, tamanho e cor.



domingo, 6 de diciembre de 2015

Nostalgia, vento e abandono em Montevideo. primeiro passeio.




Nada, que em outro tempo tenha sido grande, perde tamanho. Quando uma vida perde o esplendor, perde também as falsas esperanças, é verdade. Mas uma alma viva, nunca perde nada: estes vazios ela costuma preencher com ar e nostalgia.

Ventos pelas ruas da cidade velha aparecem de surpresa em Montevideo. Vivem por ali há centenas de anos. Parecem almas em bando, arrastando consigo o vácuo de seus inúmeros vazios, movendo os ares de um lado para outro. Quando passam, podemos senti-las. Também são centenárias e vivem ali. Não tão longe das avenidas principais, nas ruas secundárias a elas, a escassez de pessoas circulando extende-se por seguidas horas. Nelas ventos e almas brincam de varrer chão, portas fechadas e corredores vazios. Tudo é paz... No entanto, para espíritos nostálgicos também é abandono.

Algo ali foi grande.
foto  Lori de Almeida


Meninos com problemas de conduta aprendiam nos anos 30 artesania para reabilitar-se? Talvez  não fosse este o propósito de Pedro Figari ao construir alí a escola de artes e ofícios da época... Mas parece bom ainda assim.


Nas paredes do modesto museu que leva seu nome, entre as frases que ali estão pintadas, uma delas exige das artes, do oficio e do pensamento certo pragmatismo. Assumiu-se artista depois dos 60 e foi tentar a vida em Paris. Só então foi dedicadamente pintor e escritor. Um vento de  simplicidade sopra de seu tratado utópico escrito e publicado na França: Historia Kiria. Ainda assim volta para infundir em Montevideo simplicidade e utopia. Ali vira alma.


Partiu e voltou Francisco Torres-García. Como tantas vezes fez o pianista e escritor Felisberto Hernandez. Torres-García o fez aos trinta anos de idade, voltando por ultima vez próximo aos sessenta. Nunca se mudou com bagagem: ele mulher e filhos com a roupa do corpo e suas pinturas, nada mais. Assim para Paris, Itália ou New York.


Para quem levou uma vida sem fronteirismos como ele, sul e norte, não são determinismos. Todos os lugares são o "acá donde vivo". Em todos os lugares se pode constituir uma vida, uma família, um trabalho e se encontra matéria para fazê-lo. Quando Torres-García decidiu fazê-lo pela última vez, buscou o norte em sua bússola construtivista. Ela indicava Montevideo.


O antigo presídio de Miguelete é o "Espacio de Arte Contemporáneo". Outra vez Arte aparece como salvo conduto à vida. Neste caso à vida do espaço. Entre as duas primeiras celas, entre suas janelas que dão ao pátio interno, lá do alto do terceiro andar, no lado esquerdo da foto, vi pintada a palavra "libertad". Estava escrita de trás para frente. Como o destino de quem a escreveu.

Liberdade para uruguaios tem outro sentido sim. Não contrário como o da palavra da parede caiada. Liberdade como cultura e simplicidade entre as pessoas. Dentro de si, ou para si, cada qual viva com o capricho que possa sustentar. Assim me pareceram Onetti, Felisberto Hernandez e Germán Di Pierro, todos escritores. Os dois primeiros atualmente residem nos livros - seria oportuno visitar-lhes. Germán vive num pequeno apartamento na cidade velha, dá aulas no Liceo, ensinando língua e literatura. Totalmente admirador de seu conterrâneo Felisberto,  me contava ele, escreveu a ficção "Aparato reproductor" e foi prêmio de literatura recentemente. Tem 35 anos, tem blog e o ótimo humor de seus conterrâneos. Sempre ri quando um vento repentino lhe surpreende.