FOTOAFORISMOS

martes, 15 de mayo de 2012

O solitário no caminho das pedras - Irol Kantskï

I
Não conheço solitário que consiga sê-lo sem viver às expensas de uma obsessão, mania ou de algum talento. A vida para ele cobra mais faturas - se a comparamos com quem pôde ser "normal" - e, ao contrário do que romanticamente se imagina, tem menos glórias.


Esta criatura solitária é tardia e temporâ a todo o sentimento de estar-no-mundo, entretanto conhece, em seu íntimo prematuramente, a conclusão do que deveria aprender depois, em diferentes experiências da vida corrente. Seu caráter se faz rígido por precoce consciência do quanto a vida, para ser vivida junto aos demais, quer a todos, maioritaria e suficientemente, débiles. Entre eles - Pessoa e Rilke, por exemplo - existe quem tem no coração quietude, pois já não temem sucumbir: suas forças, faltas e temores não são as do mundo e sim, as de suas almas.


ABIEGO  -  foto Lori de Almeida


Com eles aprendi que depois de assumir a vitória da natureza, sobre cada tentativa de solidão, o melhor a se fazer é livrar-se das culpas ancestrais. Neste momento, no imaginário do homem-só esta ascese íntima o levará ao encontro de sua luz interior: o fará "tornar-se um". Mas nisto não reside nenhum dom, seu talento misógino avança mais por necessidade e obsessão criadora e, menos por algum êxtase de inspiração cósmica.


O solitário, neste talento, reconhece sua educação - reconhecendo também que nunca lhe parecerá incorrigível no absoluto. Chegando a isto é quase impossível que não necessite de expressividade, para reconhecer publicamente que é o menos capacitado para atirar "qualquer" primeira pedra. Seu talento expressa, a partir de então, o que não pôde sua alma purgar.

II

Aquele que não pôde /  A primeira pedra atirar
Passados anos, pilhas delas /  Junto a sí encontrará...
Digo porque...tantas já tenho comigo colecionadas...
São variadas em diversidade e tamanho, pois
Correspondem aos meus pecados e culpas
Que em outro não consigo atirar. Particularidades têm...
Todas elas...como particular é cada dor.

Tão dura se fez para mim uma destas particularidades
Que me desejei, de alvo, costas a um muro estar
E dispor à outras mãos
Minhas pedras para me apedrejar.
foto Lori de Almeida
Mas não há em vida de homem algo absoluto...
E em pedra muito se pode plasmar..



Salvaram-me outras delas / que hoje guardo comigo
E em nelas me faço escultor.
Pequenos bustos já talhei de mim mesmo,
Representações de algo que não sou,
Pequenas alegrías, pois neles vejo
A mim mesmo  pretendendo ser;
Aí, metido em hábito-arte-ofício -
Encontrei unguento para duras dores.




Também tenho a meu lado / o solitário que como eu
Sua primeira pedra guardou e / de atirá-la se isentou.
Segue seus dias com ela, entre as mãos e já sem cor.


E se..."No meio do caminho havia uma pedra..." / ...alguém caminha sem pedra na mão!


Eu...não encontro quando ou em quem atirar...
Eu...a margem do caminho estou...carregado de pedras
Que me esgotam as forças / para elas, nalgum chão
Resolver abandonar.


III

Pequeno grão de pedra fugido do rincão onde lhe oprimia
Baixo d´água, um seixo de mar.
Desde aí somente podia ver como
Escorrediço e fluído lhe era o mundo; 
Imóvel  e pegadiço lhe era o chão;
A luz- descontinuada pelas vagas - lhe atingia
Em golpes estroboscópicos; em reflexos desordenados.


foto Lori de Almeida
Quando um dia se agitou e se enfureceu o mar
Contra os dias de tranquila e regular maresia.
Entre seixos, pedras e  grãos momentânea suspensão houve.
Alguns se lançaram ao fluido e escolheram a sorte 
E o destino de quem se deixa pelo mundo levar;
Outros escorreram-se ao fundo, onde mais fundo não se estará
E a fatalidade de ter um instável mundo para encima suportar.


Pequena pedra em grão, fugida de um rincão que já não mais existia
Buscou refúgio então, em viscosa  e repousada escuridão:
Por fora, opaca e bruta é a ostra onde agora tem sua peremptória instalação.
Vive da rigorosa dieta que lhe propina um anfitrão
Obrigado a instalar em acetinada habitação,
Um perdido grão sem vida que escapou do mundo por um vão
Sem mais remédio que converter a esta ínfíma parcela de exterioridade
Numa esfera perfeita e brilhante de sua protegida interioridade.


"...no meio do caminho, onde num antigo tempo passou também o mar, havia uma pérola."